O som do silêncio




"Jesus respondeu, e disse-lhe: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus." João 3:3

Atenção: pode haver spoilers do filme ao longo do texto. 

Um casal de músicos que viaja pelos Estados Unidos num motorhome, fazendo shows de metal extremo em bares e no circuito underground, vê sua rotina ser aniquilada quando Ruben (Riz Ahmed) baterista e pilar de sustentação do casal sofre uma perda grave e repentina da audição. A partir daí o filme nos leva pelas decisões e escolhas de Ruben e Lou (Olivia Cooke) diante do inevitável.

Escrito e dirigido por Darius Marder, Sound of Metal é um filme absolutamente imersivo. Somos levados para o universo de Ruben, seus afetos, inquietações, o seu desconforto, tudo através da atuação grandiosa de Riz Ahmed e do design de som que trabalha a história que está sendo contada, ora esmaecendo sutilmente, hora distorcido e incômodo, ora quando apenas o silêncio consegue narrar a história. Conseguimos sentir como Ruben porque o som e sua ausência nos transportam para lá, para o amor, para o inferno e para a busca pela quietude, ou, como dirá mais adiante o veterano de guerra Joe, para "o Reino de Deus".

Como se já não tivesse muitas das virtudes comuns a um excelente filme, Sound of Metal carrega em si o mérito de fugir do óbvio, do caminho fácil do capacitismo. Não há "coitadismo", auto piedade, lamentação como normalmente acontece em filmes sobre vícios, perdas, deficiência. Há a raiva de Ruben diante da própria impotência, mas jamais a visão de que o surdo é uma pessoa inferior e limitada que precisa da nossa compreensão e piedade. Pelo contrário, a medida em que a trama se desenrola, torcemos pela adaptação de Ruben, desejamos que ele saboreie a felicidade que começa a se desenhar diante de si na comunidade de surdos para onde ele é levado por Lou para se adaptar à nova condição.

Riz Ahmed visceral como Ruben Stone



Se Riz está estupendo como Ruben, Paul Raci brilha nas trocas entre seu personagem Joe e Ruben. Há toda uma verdade que não precisa de palavras entre os dois e em diversas cenas, palavras são facilmente dispensáveis para que a trama envolva e emocione. Quem não se pegou torcendo em algum momento para que Ruben deixasse pra lá, a obsessão por voltar a ouvir?


Mas ele por mais que estivesse adaptado e entre amigos, com perspectivas de futuro na comunidade, segue focado em voltar ao que era antes. Ele se sente quebrado, busca um "conserto" e com isso não há mais espaço para ele na comunidade. A dor de Joe ao ver que Ruben não entendeu nada, é genuína e tocante e dizer não ao músico o fere profundamente. Mas é o certo a fazer.


E se o filme foge do caminho fácil de tratar os surdos como "pessoas quebradas", que precisam de conserto, ele também nos deixa no meio da estrada, ao evitar um final óbvio. Se Ruben já havia renascido uma vez, graças ao amor de Lou, é também através dela que o músico encontra seu novo renascer. É no reencontro com ela que Ruben entende Joe e sua necessidade de aceitar sua nova vida.


Afinal de contas, aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.



Sound of Metal recebeu 6 indicações ao Oscar (Melhor filme, Ator, Ator Coadjuvante, Roteiro Original, Edição e Som) e está disponível na Amazon Prime. Enjoy!

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