Cook or not to cook; eis a questão


Segunda feira, uma youtuber que eu sigo, fez um vídeo dizendo que havia "passado fome" no dia de natal. Tudo porque nem ela, nem o marido sabem cozinhar, eles não tem comida em casa (no máximo coisas para comer no café da manhã) e fazem todas as refeições em restaurantes da cidadezinha do Canadá onde moram.

O almoço e jantar de natal deles se resumiu a hambúrgueres, única coisa que eles encontraram disponível, já que está nevando, fazendo frio e porra é natal, tudo estava fechado mesmo.
Logo começaram os comentários sobre a opção de não cozinhar. E ela se sentiu profundamente ofendida e invadida por ver os seguidores (que normalmente só se desmancham de amor pelo casal) criticando sua escolha de vida. Ela então passou a se queixar no Twitter, pedindo que respeitassem sua opção e que ela preferia ocupar o tempo dela com coisas "mais produtivas" do que cozinhar.

Chilli de Carne com Queijo que fiz depois de experimentar num Tex-Mex em Goiânia. 

Eu particularmente, falo e repito quantas vezes for necessário; saber cozinhar é libertador. Não depender de ninguém para comer é um movimento de independência importantíssimo, ao contrário do que foi pregado nos últimos anos.

Nós mulheres, principalmente nós filhas da revolução sexual das décadas de 60 e 70, fomos criadas para o sucesso profissional. Cozinhar passou a ser coisa de mulherzinha, submissa, do lar. Algumas mães chegavam a afirmar com orgulho "minha filha só estuda, não sabe nem fritar um ovo".

E muitas de nós passamos a reproduzir esse discurso do "não sei fritar um ovo, com muito orgulho". Nâo que fritar ovo seja fácil, pelo contrário, minha mãe que é exímia cozinheira, elege o ovo frito como uma das coisas mais difíceis de se fazer numa cozinha.

O fato é: não há demérito algum em saber cozinhar. É muito bom não precisar cozinhar, mas é melhor ainda saber quando não se pode contar com quem saiba. Saber cozinhar não significa ser escrava eterna do forno e fogão, sempre em volta da pia enquanto todos degustam um vinho na sala de estar. Cozinhar é libertador. É ter o direito de escolher se você quer sair para comer, ou se quer pegar aquele maço de manjericão, o vidro de azeite, um punhado de nozes e aquele macarrão você não cozinhou na última macarronada, e fazer uma Pasta ao Pesto pra você se deliciar. É a diferença entre ir dormir com fome, ou fazer aquele escaldado de fubá reconfortante numa segunda feira chuvosa quando ninguém se aventura a fazer entregas no meio da noite. E cozinhar é um prazer, um ato de amor, para si ou para outros. Que pode ser exercido por homens e mulheres, não há NADA de errado. Meu filho sabia limpar e fritar peixe, algo que eu não sei até hoje. Fazia um arroz papa, mas sabia se virar. Lembro de um dia em que cheguei em casa, o gás havia acabado e ele havia feito um fogão de lenha com quatro tijolos e uma grade e cozinhou feijão divinamente.

Precisamos parar de ver o serviço doméstico como sinal de inferioridade. É maravilhoso não depender de ninguém pra comer, pra passar uma camisa, pra pregar um botão. Saber fazer essas coisas não te torna uma Amélia, um Amélio.

Só te torna uma pessoa que tem muito mais poder de escolha.
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