Eu tinha 7 anos quando o acidente em Chernobyl aconteceu. E apesar de ter memórias mais antigas de outros fatos históricos, eu quase nada me lembro do acidente nuclear da Ucrânia. E não foi por desatenção minha.
Vale lembrar que a internet com a sua velocidade de acesso a informação não era nem de longe, algo imaginável no Brasil. Mas mais do que isso, o que não me permite ter maiores recordações, foi a completa falta de comunicação das autoridades sobre o acidente. Por isso, eu tenho memórias mais claras do acidente com Césio 137 que aconteceu um ano depois, em 1987, em Goiânia. Lembro do horror, do medo e da forma como implorávamos para que um amigo da família - o Tio Hélio - não viajasse para Goiânia, uma vez que isso era pintado como uma sentença de morte.
Mas saporra de post não é sobre a série da HBO? Sim é. Mas lembrar que eu quase não tenho lembranças de algo tão grandiosamente destrutivo é parte da narrativa de Chernobyl.
O primeiro episódio da série, 1:23:45 mostra o químico Valey Legasov (Jared Harris) em um momento decisivo de sua vida, exatamente dois anos e um minuto após o acidente. Dessa sequência quase silenciosa, somos arrastados num salto do tempo para abril de 1986, mais exatamente à 1h23''45' da manhã do dia 26 de abril. Da janela do pequeno apartamento onde vive com o marido, o bombeiro Vasily (Adam Nagaitis), Lyudmilla Ignatenko (Jessie Buckley) vê o clarão que se ergue sobre a usina atômica ao longe.
Do quarto de Lyudmilla e Vasily somos transportados para a sala de controle na usina e ali passamos mais de uma hora convivendo com o horror, o desconhecimento, a incredulidade, o ceticismo científico e o fanatismo político.
O episódio tem todos os elementos característicos da HBO: cenas escuras, cores opacas, silêncios eloquentes, planos e enquadramentos primorosos. Chernobyl nos traz cenas mais lentas, mais tensas, o medo é quase tangível. Tudo gira ao redor do acidente; é ele o personagem principal e não Vasily, Valey ou qualquer personagem apresentado nas diversas subtramas iniciadas nesse primeiro episódio. Ah sim, aqui temos as cores como um importante elemento narrativo. Há um cuidado com a paleta de cores que eu não me lembro de ver numa série desde Breaking Bad. O filtro verde, usado em detrimento do já manjadaço azul, aumenta o clima de suspense e toxicidade dos ambientes.
A primeira reação - principalmente de vocês que por acaso tenham nascido nos anos 90 - é de estupefação com a displicência das pessoas envolvidas na operação da planta de energia nuclear de Chernobyl. A segunda, é de asco diante da preocupação dos diretores e políticos soviéticos, de se minimizar, ocultar o acontecido, independente do quanto ele se mostre cada vez maior e incontrolável. Me senti quase que numa reunião de uma certa mineradora decidindo sobre o que fazer com os relatórios de risco de rompimento de suas barragens.
O episódio tem 59 minutos. Mas se você não for do tipo de pessoa que precisa de ação e acontecimentos frenéticos, não vai nem sentir a passagem do tempo, os acontecimentos por mais que sejam apresentados sem pressa, envolvem e prendem a atenção. Chernobyl nos apresenta a história recente da humanidade. E talvez por isso seja uma porrada tão forte na boca do estômago.
Chernobyl é uma série HBO, escrita por Craig Mazin (Se beber não case! Parte II) e dirigida por Johan Renck, com cinco episódios, exibidos às sextas às 21h e reprisados regularmente na grade.
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