O seu salão aceita o meu cabelo ou só o meu dinheiro?




Estava procrastinando nos stories do Instagram, quando um storie em especial chamou a minha atenção; era do Thais Nascimento, Beauty Studio especificando que as vagas de trabalho que ela havia publicado alguns dias antes, era para cabeleireiras(os) que tivessem alguma prática com crespos e cacheados e maquiadoras com experiência em pele negra, visto ser esse o público alvo do salão.
Fiquei olhando aquele storie e pensando em como é absurdo ter que dizer o óbvio. Fiquei pensando na cara das pessoas que se candidataram à vaga, ao dizer que não tinham experiência em cabelo crespo ou cacheado, que não sabem maquiar mulheres não brancas. O que elas esperavam,  sério?

A Thais e seu salão são um candelabro na escuridão. Apesar de uma fortíssima presença negra e parda, Uberaba carece de profissionais que saibam trabalhar com cabelos que não sejam lisos, com peles que não peçam uma maquiagem que a deixe mais clara. A vida toda sentar na cadeira do salão para mim foi um rosário desfiado com contas de "porque você não alisa?", "ah mas a gente pode fazer uma escova",  "vamos domar esse cabelo, vai facilitar a sua vida", "esse produto abaixa o cabelo", "Eu vou tirar só as pontas do seu cabelo, porque ele não dá corte". Meu cabelo não era parte de mim, era um problema.

Em 2013 eu fiz minha última escova progressiva e fui levando o cabelo com duas texturas. Tinha cortado Chanel para fazer um Cosplay, o que ajudou muito, porque ele já estava curto mesmo. E fui levando aquele cabelo bisonho até dezembro de 2014, quando fui ao salão do Will, perto da faculdade tirar toneladas de camadas de tinta e pintar de vermelho, cor que ostento até hoje. E ali a minha relação com salões começou a mudar. O Will não tinha a preguiça e má vontade dos cabeleireiros com a qual eu estava habituada e eu tive pela primeira vez na minha vida, aos trinta e tantos um corte de cabelo que valorizava meu cabelo cacheado. Ele respeitou o meu cabelo, valorizou o cabelo que eu tinha.

Dois meses depois, fui a um salão bem renomado perto do meu trabalho, fazer uma hidratação, afinal eu havia feito uma química de descoloração muito agressiva a pouco tempo. E ali eu voltei para a realidade uberabense, de passar uma hora e meia, duas horas ouvindo a cabeleireira enchendo o saco com as vantagens do alisamento. O que eu só saberia depois, é que a hidratação cara que eu paguei, destruiu meu cabelo é me fez passar por mais oito meses de recuperação. Era uma hidratação a vapor, feita com prancha (coisa que só soube quando o processo já estava em andamento e ela disse que não dava pra fazer sem a prancha). E foi então que eu descobri que materiais de salão contaminados com química alisante, vão interferir na textura do seu cabelo. Que seja a escova, o pente usado para desembaraçar o seu cabelo e isso pode te custar meses de cuidados, o que faz com que muitas mulheres desistam da transição e aceitem o conselho da cabeleireira.

E foi aí que eu parei de ir à salões cuidar do meu cabelo. Fui uma vez mais para o Will cortar o meu cabelo, mas fora isso, ninguém mais tocou no meu cabelo. Eu mesma descoloro a raiz, pinto, hidrato, restauro e de um tempo pra cá, corto. E não vinha pensando mais nisso até que poucos dias antes do Carnaval, eu liguei para uma loja de cosméticos e ao perguntar pelo Red Revival da Amend e recebi a resposta afirmativa acompanhada da frase: "se você comprar o kit completo, você ganha uma hidratação e a escova". Ao que eu respondi que escova nem se elas me batessem. E toda a memória ruim,  todas as experiências ruins com cabelereiros da cidade voltou e estava me incomodando. Aí vi o storie da Thais e percebi que as coisas continuam as mesmas. Os profissionais de salão em Uberaba não querem trabalhar com cabelo cacheado, não querem se especializar. Pra eles é muito mais fácil ficar na zona de conforto e fazer a cliente abdicar do seu cabelo, afinal a progressiva custa mais e demanda de manutenção, para que você não perceba como ela está acabam com o seu cabelo. O alisamento fideliza a cliente, ela precisa voltar e voltar e voltar. E é por isso que a Thais precisou avisar o óbvio: que a vaga que ela havia anunciado, para o seu salão especializado em cabelo crespo e cacheado, demandava candidatas(os)  com especialização em cabelos cacheados. E é provavelmente por isso, que a vaga ainda está em aberto.


Quero visitar o Will para cortar meu cabelo com ele de novo, quero um dia conseguir ir ao salão da Thais para prestigiar o trabalho maravilhoso dela e receber o carinho e o mimo que eu mereço enquanto cliente. Mas principalmente, quero que um dia, outras pessoas crespas e cacheadas, tenham seu cabelo aceito em qualquer salão, não apenas o seu dinheiro. 
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