Leolinda e a Terra Madrasta



Estava eu lendo um artigo do Buzzfeed sobre 14 mulheres brasileiras que fizeram  história agora a pouco. A maioria não me é estranha, como por exemplo Carmem Miranda, Luz Del Fuego, Leila Diniz, Elza Soares, Chiquinha Gonzaga... Mas uma me chamou a atenção tanto por não conhecê-la, quanto por ter passado aqui em Uberaba um momento delicado de sua vida.


A baiana Leolinda Daltro foi uma professora, precursora do indigenismo e do feminismo no Brasil. Apesar de ter vivido a maior parte de sua vida no Rio de Janeiro, percorreu o interior buscando uma "catequização laica" dos índios, algo que desagradou a igreja católica no país.

E aí após atravessar o interior de São Paulo, em direção a Goiás ela passa por onde? Sim, pela bela, pujante e cruel Uberaba, em Minas Gerais.

Para se entender a Uberaba que emergia do fim do século XIX e adentrava o século XX é importante ler o livro do meu ex professor e amigo André Azevedo da Fonseca, "A construção do mito Mário Palmério" e também ler qualquer coisa que consiga sobre Orlando Ferreira, o Doca, que amarguradamente chamava Uberaba de Terra Madrasta. Com isso, é possível entender o quanto Uberaba era (era?) uma cidade onde o aparentar era muito importante, onde a igreja tinha uma influência absoluta e onde a elite sabia ser desesperadoramente cruel e hipócrita.

E foi essa sociedade que Leolinda encontrou, ao chegar em Uberaba para encontrar um grupo de índios que seguiria com ela para Goiás. Se no interior paulista, a professora encontrou apoio financeiro e social, em Uberaba foi recebida por dívidas oriundas da hospedagem dos índios que a aguardavam, além da compra de quatro cavalos. Para isso foi preciso se desfazer de suas jóias e combater diversas notas caluniosas na imprensa local. 

Os frades capuchinhos e posteriormente os dominicanos se empenharam em desmoralizar Leolinda, pois sentiam-se ameaçados por seu trabalho de catequisação. Afinal, doutrinar os índios em Goiás, era coisa deles e não para uma mulher sozinha no início do século. E assim ela foi posta fora de Uberaba, aos gritos de "mulher do diabo".

Quando voltou ao Rio de Janeiro, ela buscou seu direito ao voto, que lhe foi negado. Na época raríssimas eram as mulheres que tinham esse direito e Leolinda não conseguiu fazer parte desse seleto grupo. Decidida a ter voz, fundou em 1910 o Partido Republicano Feminino visando mobilizar as mulheres na luta pelo direito ao voto. 

Leolinda morreu em 1935 sem ter conseguido se eleger, após ser sumariamente ignorada quando da criação do Serviço de Proteção ao Índio e depois de ter se dedicado à educação buscando métodos de ensino mais humanistas. Morreu três anos após ver as mulheres obterem o direito (ainda que restrito) ao voto. Em seu obituário, publicado na revista "Mulher", editada pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, consta que Leolinda "teve que lutar contra a pior das armas de que se seriam os adversários da mulher: o ridículo"

Ah Leolinda, os dias de hoje repetem o passado. Nos perdoe.


Para ler: A professora Leolinda Daltro e os Missionários...

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