Sim pessoas, finalmente consegui assistir Nosso Lar, depois de tantos meses de espera e alguns dias de enrolação (minha, obviamente). Obviamente, eu enquanto espírita, achei o filme lindo, vi claro suas limitações técnicas, mas o balanço geral é muito positivo.
Como muita gente que tem assistido ao filme nunca leu o livro ou nem ao menos é espírita, vou tentar explicar algumas coisas de acordo com a doutrina espírita
Umbral
O solo, coberto de matérias enegrecidas e fétidas, lembrando a fuligem, era imundo, pastoso, escorregadio, repugnante! O ar pesadíssimo, asfixiante, gelado, enoitado por bulcões ameaçadores como se eternas tempestades rugissem em torno; e, ao respirarem-no, os Espíritos ali ergastulados sufocavam-se como se matérias pulverizadas, nocivas mais do que a cinza e a cal, lhes invadissem as vias respiratórias,martirizando-os com suplício inconcebível ao cérebro humano habituado às gloriosas claridades do Sol - dádiva celeste que diariamente abençoa a Terra - e às correntes vivificadoras dos ventos sadios que tonificam a organização física dos seus habitantes. - Memórias de um Suicida (psic. de Yvone A. Pereira)
Essa pequena parte da descrição do Umbral, ou Vale dos Suicidas, constante do livro Memórias de Um Suicida, mostra o quanto a recriação do cenário tétrico foi bem realizada. Ali, André Luís atravessou anos, rememorando a existência terrestre, tentando entender o por que de estar naquele local.
O Umbral não é uma criação divina. É criação do coletivo das mentes perturbadas, alimentada por maus pensamentos, sentimentos inferiores, revoltas, angústias, ódios... tudo isso que vem dos próprios homens, forma o Umbral. Nele os espíritos ainda muito ligados à vida que tinham na terra, se conservam com as roupas que usavam antes da morte e sentem vigorosamente as necessidades que tinham quando vivos: fome, frio, sede, cansaço, dor, luxúria... Assim como criamos e recriamos quadros mentais de acontecimentos que nos causaram algum tipo de desconforto emocional, os espíritos no Umbral recriam incessantemente os quadros de sua morte...
Quando finalmente entendem que erraram, o quanto erraram e pedem humilde e sinceramente perdão por todos os desatinos vividos na Terra, então os espíritos se encontram em condições de serem auxiliados. A cena foi muito bem feita, e enquanto apresenta André Luís rastejando, fugindo e tentando sobreviver no umbral, nos apresenta momentos de sua vida na terra, onde se destaca o homem, frio e egoísta. A cena do socorro também foi bem representada, de acordo com o que diz a literatura espírita sobre resgates nas zonas inferiores e talvez o momento mais bonito e emblemático tenha sido aquele em que Clarêncio estende a mão aos espíritos sofredores, que protestam pela remoção de André, a quem acusam incessantemente de suicídio. O medo e o apego aos maus instintos os impede de aceitar a ajuda e a equipe de socorristas se vai.
Vale lembrar duas coisas; no mundo espiritual você é livre inclusive para aceitar ajuda, ninguém obriga você a fazer o que não quer; e também, um espírito "inferior" não consegue se aproximar de um espírito mais elevado a não ser que este permita a aproximação.
Entre a chegada e o pedido sincero por socorro, André Luís passou mais de oito anos no Umbral.
No Hospital
O filme dispensou a figura de Henrique de Luna, médico que cuidou de André, deixando a cargo de Lisias os cuidados e explicações. Lísias realmente é um cuidador em Nosso Lar, mas não um médico...
As cenas de passe ficaram muito boas... O passe nada mais é do que a manipulação de fluidos, então, o passar das mãos de Lìsias ou o sopro de Narcisa, que emanavam aquela luz ou fumaça verde, materializaram algo que até então os médiuns apenas imaginavam que acontecia ao imporem as mãos sobre um paciente. É claro, que houve uma pequena licença poética; as chagas no aparelho gástrico intestinal de André necessitavam não só de alguém que soubesse manipular fluidos, mas também precisava que André entendesse e acreditasse na cura, afinal.
Só a título de curiosidade, André Luís faleceu devido a complicações decorrentes da Sífilis, além de consumo desregrado de álcool e alimentos, e ainda de um padrão mental egoísta. No livro as explicações dadas pelo médico Henrique, são bem mais amplas que a rápida explanação de Clarêncio no filme.
No plano espiritual, tudo está ligado à força do pensamento de cada um; as doenças apresentadas no corpo perispiritual apenas refletiam uma condição mental desordenada, à medida que André foi depurando seus sentimentos e compreendendo as diferenças entre o plano físico e o plano espiritual, seu corpo etéreo foi se reconstruindo e retornando à aparência saudável.
Aliás, esse foi outro ponto que observei; os espíritos, moldam sua aparência e consequentemente vestimentas, ao seu quadro mental, ao contrário do plano material em que vivemos, onde o corpo segue sua ascenção e queda independente do nosso espírito; assim, espíritos mais materializados, mais ligados ao que eram e tinham antes da morte, conservam mais fortemente o aspecto mundano, o que justifica as roupas sujas e pesadas no Umbral (afinal, se você ficar muitos dias sem tomar banho e sem trocar de roupa, ela vai ficar suja, gasta e com cheiro ruim, não é mesmo?).
As roupas no filme denotavam a evolução espiritual de cada personagem; personagens ainda presos à matéria, roupas densas, como as do Umbral ou os trajes de Heloísa, que mesmo ciente da própria morte, não se desligava da matéria; quanto mais elevado o espírito, mais leves, fluidas, claras e brilhantes eram as roupas...As roupas, assim, como a aparência são moldadas de acordo com o padrão de pensamento de cada um sendo capazes de controlar isso, podem optar pela aparência com que mais se sentem confortáveis; assim Emannuel por exemplo ainda mantém o visual dos tempos da Roma antiga. Duvido muito que nosso irmão Chico Xavier por exemplo, exiba a aparência frágil e doente com que desencarnou... Provavelmente circule entre os irmãos do plano maior com uma aparência mais jovem e robusta, assim como o é seu espírito e que dispense o uso de perucas...
Sobre o Bosque das Águas e o Campo da Música
Espíritos elevados não necessitam de descanso; mas para a grande maioria dos habitantes de Nosso Lar, que ainda conservam várias imperfeições da vida material faz-se necessário momentos de descanso e prazer, claro e por que não?
Para o descanso e o relaxamento, e também para conversações amorosas (amor é algo que nunca morre, lembram-se?) existem em Nosso Lar, esses dois recantos de descanso e deleite da alma...Se o espírito nada mais é do que o nosso princípio inteligente, e sentimos imenso prazer quando ouvimos uma música que nos agrada, por que um espírito também não o sentiria? Vale apenas lembrar, que esses locais são para momentos de lazer, não significa que os espíritos fiquem lá dia e noite em eterna contemplação.
E essa questão de trabalho - ócio - lazer, nos leva a outro assunto: Os Bônus Hora
O bônus hora não é uma moeda, mas dá a quem trabalha, oportunidades que quem está no ócio não terá. Como Nosso Lar é uma colônia de regeneração, é formada por uma grande maioria de espíritos que não compreendem o valor do trabalho; um espírito evoluído não necessitará de trabalhar para adquirir coisas, mas por outros motivos...Já um espírito ainda materialista tem essa necessidade de ter uma recompensa pela execução de trabalhos, assim, quem trabalha em Nosso Lar, pode adquirir coisas, inclusive uma casa onde possa receber seus entes queridos, ao invés de morar em áreas comuns.
O que esses espíritos não percebem, é que na verdade não estão acumulando Bônus Horas para adquirir um lar, ou roupas melhores, merecer visitar a família; quando trabalham, exercitam a humildade e aprimoram os bons sentimentos, passam a entender a necessidade de ajudar e de contribuir para o bem comum e para o próprio equilíbrio; o que deu ao André Luis o direito de visitar a família, não foram os bônus hora, mas a evolução que o trabalho proporcionou a André. Pense se ainda egoísta e fragilizado pela experiência do Umbral, será que ele teria entendido o direito de Zélia de reconstruir a vida? Teria auxiliado o segundo marido de sua esposa (aliás, que marido, Nicola Siri... aiai)?
Os atores
Primeiramente uma salva de palmas a Paulo Goulart e Chica Xavier, ela então merecia um Oscar por sua Ismália, linda interpretação. Werner Schunemann não me convenceu como Emmanuel, Clemente Viscaíno conseguiu contruir um Clarêncio que dispensava palavras, tal a força do seu olhar, Rosanne Mulholland deu veracidade à jovem Heloísa...
O que me dói é ter que criticar o trabalho de Renato Prieto. Ator consagrado do teatro espírita do Brasil, teve sua interpretação de André Luis prejudicada por sua falta de intimidade com o cinema. Ator de cinema é uma coisa, ator de teatro é outra, e acabou que o André Luis de Prieto ficou muito mais próximo da linguagem de palcos do que o que uma atuação cinematográfica necessitaria.
E a trilha sonora...Que trilha linda, delicada, bem costurada ao contexto do filme, Philip Glass fez um trabalho primoroso...
Bom, claro óbvio e evidente, como espírita que sou, saí do cinema enlevada, iluminada, feliz...As lágrimas que derramei devidamente escondida no banheiro do shopping já me são conhecidas, são as mesmas lágrimas que derramo quando encontro uma pessoa infinitamente melhor do que eu, como quando fui à casa da Prece ver Chico Xavier, no final da década de 90, as lágrimas que derramei quando assisti a uma palestra de Divaldo Pereira Franco... lágrimas que lavam alma e me dão a certeza de que é possível ser melhor e ser mais feliz.
4 Comentários
ótimo comentário. Assim que eu assistir ao filme, poderei fazer minhas observações também.
ResponderExcluirMuito bom.
ResponderExcluirVocê parece ser bem entendida de espiritismo hmmm ...
Please : abandone blogspot e tenha seu dominio com seu host :-D Blogspot fede.
Parabéns pelo comentário, bem esclarecedor. Obrigado.
ResponderExcluirPoxa Marcelo, aí foi spoiler! Mas assista vale a pena.
ResponderExcluirDuard, o espiritismo prega a instrução...Para ter fé é necessário entender aquilo na qual se acredita, então, alguma coisa eu acabo aprendendo, rsrsrs. E não seja tão radical com o blogspot, tadinho!
Maurício, eu é que agradeço pela sua visita ao blog!